Ao observar o mapa eleitoral do Brasil, os observadores acostumados a notar que as populações marginalizadas são geralmente as primeiras a se voltar para os partidos nacionalistas identitários, que reivindicam a prioridade para a satisfação de orientações conservadoras, enquanto os beneficiários da globalização apoiam os grupos modernizadores mais liberais. No entanto, o Brasil apresenta um exemplo oposto: as populações pobres do Nordeste, que por muito tempo seguiram esse padrão, hoje votam no PT, que se orgulha de trazer o Brasil de volta à diplomacia mundial. E são as populações das regiões exportadoras que apoiam massivamente o bolsonarismo, a ponto de acreditar que a última eleição, que resultou na derrota de Bolsonaro, teria sido alvo de fraudes! Como explicar esse paradoxo?

Uma parte desse enigma pode residir no sentimento, expressado principalmente por muitos trabalhadores da agricultura de exportação, de uma prosperidade econômica e salarial que gera uma riqueza desprovida de significado verdadeiro para estruturar o país – se toca ouro, mas se vive uma existência de rotinas repetitivas.

Esse tipo de análise poderia nos ajudar a entender muitas das evoluções políticas ao redor do mundo, na medida em que as satisfações materiais não são acompanhadas de nenhuma plenitude existencial. O Brasil seria, então, um laboratório para mostrar como ideologias reacionárias podem coexistir com uma intensa modernidade nos territórios mais ricos do país. Compreender o bolsonarismo como algo decorrente de uma desafiliação de regiões abandonadas ou de populações marginalizadas seria um erro e, ao contrário, entendemos mais facilmente por que as populações desprivilegiadas permanecem fiéis à mistura de estatismo e progressismo de um PT, que, no entanto, está bem enfraquecido.

Artigo original "Ressentimento em meio à riqueza" por Aristides Monteiro Neto no blog Coletivo Brasil.

https://blog.sens-public.org/coletivobrasil/ressentimento-em-meio-a-riqueza-elementos-para-uma-geografia-brasileira-do-descontentamento-e-da-polarizacao-politica/