Nossos desafios do ano: informação, internacionalização, inteligência
Desafios de retomada
Sens public não é um eco de trabalhos realizados em outros lugares: nossas publicações nascem de encontros e pesquisas pessoais. Isso nos permitiu publicar documentos da mais alta relevância em 2024. Tal fato reforça nossa escolha de manter nossa independência institucional e editorial, de nutrir uma relação contínua com nossos autores e de encontrar o público internacional de leitores cultos. Nossa gratuidade lhes oferece acesso que tantos outros sites reservam apenas a assinantes. Esse modelo exigente é totalmente focado na qualidade da reflexão e na escrita multimídia, bem como na autonomia de nossas equipes. Em 2025, ampliemos nosso leque e continuemos a nos internacionalizar! Esta carta informativa apresenta alguns vislumbres de nossos trabalhos recentes, centrados na consideração dos futuros plurais que estruturam nossa relação engajada com o mundo atual.
Nossa organização vinha, há vários anos, apoiando-se na complementaridade da equipe universitária da Cátedra do Canadá de Escritas Digitais (Marcello Vitali-Rosati, UdeM) com a equipe contratada francesa, sustentada por um cluster brasileiro.Estrutura excessivamente onerosa para se manter sem substanciais apoios públicos – que só obtivemos em Quebec –, nós a tornamos mais enxuta. Lamentaremos a saída de Tristan Dupart, nosso editor francês pelos últimos três anos, que preferiu buscar novos rumos. Agradecemos o trabalho que realizou. Além das competências de Montreal, a generosidade de cada um será crucial. Em 2025, precisamos de muitos membroscontribuintes e acolhemos toda pessoa que deseje se unir às nossas equipes voluntárias. Sem esperar termos uma interface de pagamentos disponível, lançamos agora um apelo a doações e contribuições via transferência bancária. Declare sua adesão por e-mail no endereço cahiers@sens-public.org, e você receberá por resposta os dados bancários da associação (RIB).
Nossas sólidas parcerias no Quebec e na França serão poderosas credenciais. Mas sem a mobilização de nosso público leitor, como conduzir um projeto indispensável no mundo fraturado em que vivemos? Sem você, como ampliar as conversas de conhecimento que promovemos? Esse é o objetivo central da plataforma Orbita.press, em fase de lançamento, ao favorecer todas as formas de interatividade. Ela reforçará nossa visibilidade ao reunir mais conteúdos em diversos formatos. Seu sucesso será uma alavanca essencial para repensarmos nosso funcionamento. Caberá aos membros assumir a continuidade e ajudar Sens public a encontrar financiadores. Nossa nova equipe, substancialmente renovada e mais jovem, deseja a todos um ótimo ano – e irá compartilhar seus entusiasmos ao longo dos próximos meses! Entender melhor o curso dos acontecimentos nos dispõe a agir para o bem; daí nosso otimismo.
Foto: Mozak. A Villa Amaral dará lugar a uma dúzia de lotes destinados a residências de luxo em terrenos de aproximadamente 1.500m² cada um. Rio de Janeiro, 2024
No dia 23 de janeiro, às 19h (horário de Paris), conecte-se à CONFERÊNCIA de Marcello Vitali-Rosati para discutir o lugar de Sens public no âmbito das humanidades digitais (por favor, envie-nos um e-mail solicitando participação para cahiers@sens-public.org a fim de receber o link). As incertezas em torno da moderação nas redes sociais ou as decisões norte-americanas sobre a neutralidade da Internet também farão parte da discussão que se seguirá.
Marcas de desigualdade afetam nossas sociedades, marcadas pela “uberização” galopante e pela proporção considerável de riquezas capturadas por um número muito pequeno de ricos e seus herdeiros. Em uma época em que tantos jovens não têm nenhuma atividade física e se entopem de conteúdos efêmeros, a prática esportiva contribui para uma educação equilibrada, para as aprendizagens coletivas e para a descoberta de si mesmo, o que beneficia ainda mais os jovens em lugares onde a emulação escolar é limitada, assim como as oportunidades profissionais.
Foto de Gérard Wormser. Marcello Vitali Rosati em conferência em Paris, 2024
Foto: Gérard Wormser. O vencedor do campeonato Surf Sagi 2024, o jovem Aleph, de 11 anos, com seu prêmio entregue por Sens Public. Praia do Sagi, RN, dezembro de 2024
Um exemplo? Jovens surfistas brasileiros viveram recentemente uma bela competição. Eles seguem o exemplo do primeiro medalhista de ouro no surfe nos Jogos Olímpicos de 2020, Italo Ferreira, nascido numa praia do Nordeste. Todos os sonhos lhes são permitidos desde que Sens public passou a apoiar sua organização. Oferecemos várias pranchas novas – uma delas foi para o talentoso vencedor.
Foto: Gérard Wormser. O vencedor do campeonato Surf Sagi 2024, o jovem Aleph, de 11 anos, com seu prêmio entregue por Sens Public. Praia do Sagi, RN, dezembro de 2024
Às vésperas da reunião do G-20 de novembro de 2024, Sens public lançou Inequality: What is to be done. Personalidades eminentes aceitaram contribuir para essa publicação concebida em inglês por Niels Planel e Gérard Wormser, apoiada pelo Impact Studio de Sciences Po. Os resumos desses artigos são representativos de debates essenciais para nosso futuro. A obra pode ser baixada por meio do link fornecido e está disponível na base Cairn dos Cahiers Sens public.
Inequality What is to be done
Foto: Gérard Wormser, Baía da Traição, PB, 2024
Gérard Wormser – Da governança de pânico à economia-vida
A desigualdade sempre vem acompanhada de algo mais: injustiça, sonhos, ignorância. Rawls sabia que os princípios de justiça esbarram na existência de grupos cujos valores se excluem mutuamente. Passar de jogos de soma zero para um universo de possibilidades humanas exige ações locais que comportem gratificações existenciais e dimensões relacionais, abrindo-se a cooperações em diferentes escalas, combinando saberes locais e talento individual. É assim que a solidariedade humana toma forma em um mundo tecnológico. A economia-vida, fundada na doação, encontra seu ponto de origem na alteridade dos pobres, que fundamenta uma obrigação humana de empatia, de formação técnica e de apoio à reflexão para todos.
Foto: Jornal Folha de São Paulo/UOL, 2024. Gabriel Zucman, promotor do plano de taxação dos super-ricos
Gabriel Zucman – 3000 bilionários, um imposto de 2%: Que justiça fiscal na globalização?
A quase não tributação dos bilionários é difícil de justificar. Dada a necessidade massiva de investimentos em saúde, educação e combate às mudanças climáticas, e a situação degradada das finanças públicas após a crise da COVID-19, os governos terão de pedir esforços adicionais a todos os contribuintes mais abastados. Esses esforços serão difíceis de aceitar se os bilionários puderem escapar deles. Uma forma eficaz de proceder seria criar uma nova norma internacional segundo a qual o imposto pago pelos ultrarricos não poderia ficar abaixo de um certo nível. Uma proposta formulada pelo Observatório Fiscal da UE e aprovada pelo Brasil fixa essa taxa mínima em 2% para bilionários do mundo todo.
Foto: Ricardo Stuckert. Lula no G20 Social. Rio de Janeiro, novembro de 2024
2GAP – A participação igual de mulheres e homens na governança é requisito para uma paz e um desenvolvimento sustentáveis
A paridade transforma as políticas públicas e melhora a qualidade da tomada de decisão. Os direitos das mulheres no mundo progridem muito lentamente quando a presença feminina em postos de decisão permanece insuficiente. Isso atesta um duplo mecanismo de negação: de justiça, opondo-se à igualdade de direito e de fato para metade da humanidade; e de eficiência, uma vez que o impacto positivo da igualdade de gênero na governança política, econômica e social é ignorado. As redes profissionais de mulheres desempenham um papel fundamental, ao oferecer plataformas de apoio mútuo, compartilhamento de recursos, desenvolvimento de competências e de autoconfiança.
Foto: Gérard Wormser. Cenário de rua nos arredores de Florianópolis, SC, 2024
Darrin M. McMahon – Igualdade imaginária
O período em que emergiu o discurso sobre a igualdade no Ocidente como aspiração social e política interna foi contemporâneo da dominação mundial do Ocidente e do crescimento das desigualdades de poder e prosperidade entre povos e Estados. Apontar essa hipocrisia não nos impede de nos comprometermos com um universalismo radical disposto a defender a igualdade primordial de todos os seres humanos. Um universalismo autêntico, plenamente e resolutamente humano, vê, reconhece e afirma a diferença, ao mesmo tempo em que destaca o que nos torna comparáveis em nossas diferenças e, portanto, dignos de igual consideração. Tal visão rejeitaria a tendência que Schmitt identificou corretamente no passado liberal-democrático e que lhe permitiu, assim como a outros fascistas, abraçar uma forma de poder em um mundo em que não apenas “os iguais são iguais, mas em que os desiguais não serão tratados da mesma forma”.
Foto: Portal Câmara dos deputados. Célia Xakriabá na Câmara dos Deputados do Brasil
Célia Xakriabá – Luta, direitos e povos indígenas do Brasil
Eleita para o Congresso Nacional, entro neste lugar querendo assinar e não assassinar direitos. Mas me pergunto se, além da ressonância de nossas vozes, seremos ouvidos. Podemos interromper a violência, o racismo da ausência, e conquistar direitos por meio de nossa presença? Em um Brasil que começa conosco, os povos indígenas, muitos falam do amor à pátria e se esquecem de que somos mulheres da “mátria”. Graças a recursos ancestrais – como a reza do fogo do povo guarani, o toré, o poder das maracás… –, conseguimos barrar projetos retrógrados. Se a lei sozinha não é capaz de vencer os abusos, sigamos na luta para fortalecê-la!
ABCD/CEBRAP – Relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades – apresentado pelo Pacto Nacional de Combate às Desigualdades
Grandes pesquisas permitem perceber a resistência das discriminações às políticas sociais. No Brasil, 150 anos após o fim da escravidão, os indicadores são desoladores. A diferença entre a renda média e a dos mais ricos é espantosa, perto de 1/3 da população é praticamente analfabeta. Três quartos das mulheres negras habitam moradias precárias, contra 20% das demais mulheres; a taxa de morte violenta que as afeta é de 77/100 mil contra 5/100 mil. A política de cotas ainda não transformou a estrutura social do país, apesar de decisões igualmente fortes, como a de proporcionalizar os recursos públicos para as eleições de acordo com o número de candidatos negros nas listas. Essas diferenças não serão reduzidas sem uma mobilização global da sociedade.
Foto: bossanovasir. Escadaria da Villa Amaral, no Rio, vendida por 18 milhões de dólares em julho de 2024. Demolida, dará lugar a um empreendimento de altíssimo luxo.
Branko Milanović – Crescimento e igualdade econômica e política
A renda dos grupos mais desfavorecidos deve aumentar, em termos percentuais, no mínimo na mesma medida que a renda dos grupos mais ricos. Como atingir isso? Não apenas com tributação sobre renda e consumo. Altos impostos sobre herança garantiriam uma posição de partida mais equitativa, independentemente da riqueza dos pais, complementados por educação e saúde públicas quase gratuitas ou totalmente gratuitas, além de um apoio especial aos jovens, no momento de seu primeiro emprego.
Foto: Gérard Wormser. Feira popular no Nordeste brasileiro. Nova Cruz, RN, 2024
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Daniel Waldenström – Herança, desigualdade patrimonial e o papel da tributação
A riqueza herdada é um elemento natural em uma economia de mercado. Transmitir riqueza é uma motivação essencial para formar patrimônio. Portanto, a tributação de heranças pode diminuir a motivação de trabalhar para enriquecer. Em contrapartida, receber uma herança importante pode limitar o engajamento profissional e levar a uma aposentadoria precoce. Esses comportamentos podem reduzir as receitas fiscais ligadas ao trabalho e aumentar os gastos públicos relativos às aposentadorias: eis uma razão de eficiência para tributar heranças. Metade do patrimônio hoje detido pelas famílias é herdado: essa proporção é menor do que no passado, o que comprova que a inovação redistribui fortunas. Mas o topo da curva patrimonial é distorcido pelas isenções fiscais sobre heranças de criadores e pelo acesso dos ultrarricos a brechas fiscais. Esse é o preço a pagar pela mobilidade social?
Foto: Agência GOV. Manifestação em São Paulo pela taxação dos super-ricos antes do G20
Suraj Yengde – A classe social das castas mundiais
A integração das elites locais ao poder colonial foi o fermento dos movimentos de libertação. Elas formaram as tecnocracias nacionais depois da independência e se arrogaram direitos exorbitantes de controle social. A casta é uma instituição que desafia o Estado, mas também o controla ao acessar os recursos de governamentalidade. As hierarquias cristalizadas por prebendas estatais perpetuam falhas burocráticas e logísticas existentes. As instituições internacionais impuseram, sobre essas situações, compromissos cegos a essas deficiências e surdos às suas vítimas. A propensão do Estado a controlar e dominar as massas terminou por desfigurar a unidade do Estado-nação.
Capa do livro “Abolir a desigualdade”, de Niels Planel, 2019
Niels Planel – Argumentos em favor de uma dotação universal em capital para a juventude no século XXI
Os partidos populistas de direita radical reintroduzem a divisão medieval de que as sociedades modernas se livraram aos poucos: a divisão entre pobres que merecem e pobres que não merecem. Um Estado de bem-estar social “dualista” seria um retrocesso total. É hora de retomar a ideia de alocação universal de partida, proposta ainda na época da Revolução por Condorcet e Th. Paine. Em nosso século, o mundo passou de um aumento sem precedentes das riquezas para um crescimento rápido das desigualdades, à medida que a mobilidade social diminui e as heranças forjam sociedades fechadas. Quaisquer que sejam as regras fiscais e os serviços públicos de educação e saúde, uma alocação universal de capital será indispensável para ampliar as oportunidades daqueles que não herdam. Ela não prejudicaria ninguém e seria uma alavanca para viabilizar milhões de iniciativas voltadas a enfrentar os problemas contemporâneos.
Foto: Gérard Wormser. Crianças brincando em uma favela de Canguaretama, RN, 2024
Nesse sentido, Gérard Wormser proferiu uma conferência na FECESC (Federação dos Sindicatos da Educação de Santa Catarina) em 13 de novembro, em Florianópolis, no Brasil, para tratar do sucesso internacional de políticos de direita.
Tratava-se de expor as estratégias populistas que se apoiam no individualismo difundido pelas redes eletrônicas para reforçar os medos sociais e o ceticismo climático. Privilegiar o curto prazo é, por natureza, antipolítico, induzindo a rejeição do gasto público e das políticas sociais e arruinando a educação. Enfraquecer as instituições só beneficia aqueles que sabem transitar entre vários sistemas, enquanto as populações pobres vivem em uma marginalidade perigosa, alvo de desprezo geral. Esse mecanismo aprisiona a classe trabalhadora assalariada: ela acaba radicalizando seu voto, culpando os sociais-democratas por cobrarem impostos altos sem resultados satisfatórios, e os liberais por apoiarem em excesso as empresas e cortarem serviços públicos. O medo de se juntar à multidão anônima dos pobres faz o restante: aprovam-se então aqueles que prometem petróleo barato, ao custo de se abandonar qualquer política de transição energética. As redes sociais reforçam pulsões individualistas e cínicas, convencendo muitos eleitores de que é possível reduzir impostos cortando ajudas sociais e/ou subsídios às empresas, fortalecer os serviços públicos excluindo os “assistidos” e/ou tributando o capital, e ainda fortalecer a economia nacional rompendo com a globalização. Essas teses ilusórias colocam os políticos lúcidos na defensiva e aumentam a desconfiança contra todos os sistemas de governança. E no fim das contas, Elon Musk, que se beneficiou de bilhões de dólares em subsídios, contratos públicos e pesquisas universitárias, pretende dominar o mundo sem jamais ter sido eleito!
Foto: Junia Barreto. Conferência de Gérard Wormser na FECESC, Florianópolis, SC, novembro de 2024
Um mundo de tensões violentas
Às vésperas da vitória eleitoral arrasadora de Donald Trump, cujos discursos contra a imigração ganharam força ao intensificar a grande preocupação com a inflação (Biden se arrependeu, posteriormente, de não ter criado uma “bolsa-inflação” para amenizar esse medo), nós publicamos o excelente texto do jovem historiador e cientista político californiano McCage Griffiths, Chegar a uma vitória marginal: a estratégia da campanha presidencial de 2024 (original em inglês aqui e tradução em francês aqui). Qual o argumento dele? Para conquistar o voto dos últimos eleitores a se decidirem, os menos politizados, o projeto importa menos do que as últimas percepções. As declarações diárias de Trump tiveram mais efeito do que a campanha de campo dos Democratas: céticos há muito tempo, os norte-americanos viam a vice-presidente como uma candidata substituta de posicionamento impreciso – próxima às minorias, mas encarnando o establishment californiano radicado em Washington. McCage Griffiths aceitou ser nosso cronista de política norte-americana, o que muito nos alegra.
Foto: Gérard Wormser. Casa de camponeses nas montanhas brasileiras. São Bonifácio, SC, 2024
Nosso colega Mediapart publicou uma análise que consideramos pertinente, sob a assinatura de Romaric Godin: “A AfD entendeu que a liberdade econômica não é apenas desejável, mas também necessária”, afirma ele em seu artigo. Trata-se, segundo ele, de um partido que “não fala apenas de crescimento”, mas também “cria um ambiente para produzi-lo, permitindo que as empresas se desenvolvam sem forte intervenção do Estado”. Por trás da entrada de Elon Musk na campanha alemã, há, portanto, um projeto mais amplo que pretende constituir uma rede de vassalagem estatal em favor dos Estados Unidos, por meio da adoção de políticas etno-libertárias. O bilionário tenta moldar um mundo a seu bel-prazer; para isso, apoia-se em toda parte na extrema direita, aproveitando-se do desamparo das populações deixadas à própria sorte em razão do fracasso do neoliberalismo.
Foto: Mozak. Empreendimento de luxo no Rio durante o G20. Rio de Janeiro, 2024
Ainda assim, lembraremos mais de Biden devido aos fracassos internacionais dos Estados Unidos. Apesar da competência do Secretário de Estado, Anthony Blinken, a América fracassa diante das ambições mundiais de Vladimir Putin e segue à reboque de Benyamin Netanyahou no Oriente Médio. O enfraquecimento iraniano e a queda do governo sírio são boas notícias, mas a República Islâmica continuará seu programa nuclear, e a fuga de Assad para a Rússia foi orquestrada por Recep Tayyip Erdogan, que tem sua própria agenda. O recuo dos norte-americanos na Síria diante de Putin, em 2013, deu à Rússia o sinal que esperava para implementar uma estratégia há muito planejada pelo Kremlin, que, aliás, conseguiu seduzir os potentados africanos antes vinculados à esfera de influência francesa. Mesmo economicamente abalada, a Rússia está livre para programar o avanço de suas armas e de suas ameaças, de modo a impedir a OTAN de reagir como gostaria, por exemplo, ao proibir o espaço aéreo ucraniano e ao ativar sistemas de defesa adicionais. Além disso, suas ameaças pesam sobre a Hungria e a Eslováquia, suas ingerências afetam as eleições na Romênia e, nos arredores da UE, na Moldávia e na Geórgia. Dadas suas dificuldades internas – entre elas, o crescimento dos partidos de extrema direita na França, na Alemanha e até mesmo no Reino Unido, para não mencionar a Itália e a Áustria –, a Europa é incapaz de responder à altura. Sua dependência energética e suas dificuldades industriais e orçamentárias a tornam incapaz de agir. Putin pode retomar a lógica da Guerra Fria e envolver a Coreia do Norte em seu dispositivo “anti-imperialista e antinazista”: um paradoxo completo!
Foto: Gérard Wormser. Dia de Finados em um cemitério pobre situado em uma duna do Nordeste. Praia do Sagi, 2024
Que essas reflexões geopolíticas não nos façam esquecer dos milhões de pessoas que vivem em condições difíceis! Assim, demos voz a Daria Dibrova e Carla Penna em suas contribuições combinadas, Daria Dibrova, professora ucraniana, e Carla Penna, psicanalista brasileira, Escolher viver, sonhar, sobreviver, em francês e em inglês. A primeira relata suas angústias e sentimentos no momento da grande ofensiva russa de fevereiro de 2022 sobre a Ucrânia e a forma como, apesar de tudo, o desejo de viver e de afirmar tanto sua vocação de educadora quanto seu relacionamento de casal são fontes de orgulho e resistência diante da adversidade e da guerra. Seu magnífico testemunho é comentado por Carla Penna, que trabalhou na Sérvia na época da guerra que levou à dissolução da Iugoslávia. Particularmente bem informada sobre a história trágica da Europa Oriental e impressionada por essa coragem afirmativa, ela vincula a situação ucraniana aos desafios quase intransponíveis de nosso tempo – dos problemas ecológicos aos da democracia, do desenraizamento e dos refugiados. A região de Odesa, desde sempre um lugar de passagem e de misturas entre povos e culturas, foi vítima recorrente dos conflitos entre impérios que transformam as utopias conquistadoras em amontoados de escombros produzidos pelas guerras ou pelas impasses tecnológicos. Hoje, a Ucrânia conta com cerca de vinte milhões de refugiados ou deslocados internos, vivendo traumas psíquicos intensos e duradouros. Que milhares de Darias possam prosseguir no caminho que escolheram e superar, ao menos em parte, os efeitos dramáticos dessa violência bélica. Carla Penna publicou em 2022 From Crowd Psychology to the Dynamics of Large Groups.
Capa do livro “Contes des frontières. Faire et refaire le passé en Ukraine”, de Omer Bartov, 2019, edição francesa de 2024
O historiador israelense Omer Bartov, cujos avós fugiram da Ucrânia estalinista dos anos 1930, publicou o artigo “Como ex-soldado das FDI [Forças de Defesa de Israel] e historiador do genocídio, fiquei profundamente perturbado com minha recente visita a Israel”, veja aqui, um libelo contra a doutrina do estado-maior israelense desde 1948: para vencer, os recrutas devem ser dessensibilizados. Ele vê nisso a continuação das violências que tiveram a Europa Oriental como palco desde o século XVI. Suas obras descrevem como essas fronteiras disputadas por vários impérios mergulharam em conflitos nacionalistas após séculos de coexistência entre comunidades camponesas.
[Diga-nos por e-mail (cahiers@sens-public.org) se você acha que deveríamos publicar uma tradução francesa desse artigo.]
Foto: Richard Vogel/AP. Em Los Angeles, um caminhante solitário percorre a praia sob nuvens de fumaça durante os incêndios de janeiro de 2025 nos EUA. Jornal “The Guardian”.
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